Foto: bianca.salvadori
Minha avó contava que aos 2 anos fui mordida por um pincher. Qualquer criança ficaria traumatizada com um evento desses, aprenderia a não mexer com cachorros na rua, talvez até ficasse com um medo irracional de cães. Já o meu cérebro deletou essa memória e continuei fazendo festa em cada cão que encontrava, até que aos 8 anos fui mordida de novo. Dessa vez pelo pequinês de uma amiga da minha tia. Nem assim traumatizei e passei a infância implorando um cachorrinho à minha mãe. Ela não me deixava ter cachorro porque morávamos num apartamento muito pequeno, então eu tirava casquinha dos cães dos outros.
Durante toda a infância eu adorava visitar minha tia-avó Noêmia. Ela era boa pessoa, mas gostava mesmo de visitá-la por causa da Jeniffer, a pequinês que ela tinha. A Jeniffer era uma simpática bola de pelos que adorava ser acariciada, mesmo por crianças.
Meu pai sempre teve cães, mas como morava em casa, eram sempre cães de guarda. Ficavam presos no fundo do quintal durante o dia e eu não podia me aproximar. Apesar de sentir medo, não deixava de admirá-los à distância. Perdi o medo de cachorro grande quando conheci o dálmata da minha tia, o Love. Hoje sei que um dálmata nem é tão grande assim, mas quando fomos apresentados, ele colocou as patas nos meus ombros e me tacou uma lambida no meio da cara, achei aquele cão enorme!
Um dia um dos filhotes dos cães de guarda do meu pai foi levado para o sítio. Lá tive a chance de descobrir que cães de guarda não são tão assustadores quando te conhecem de perto. O Bumerangue, na verdade, era quase um banana. Só servia mesmo pra assustar pelos latidos grossos e fortes. Quem realmente fazia a segurança do sítio era a esposa dele, a Morgana. Era uma linda mestiça de pastor alemão com temperamento fantástico: amorosa com a família e agressiva com estranhos. O único defeito dela era o senso de humor. Sua brincadeira favorita era parar no meio da estrada, em frente à porteira do nosso sítio, e impedir que os visitantes que chegavam a pé continuassem o caminho até o sítio vizinho rsrs
O sítio do meu pai foi o lugar em que mais convivi com cachorros. Durante vários anos ele teve uma família de pequenos vira-latas, pai, mãe e filhotes. Um deles meu pai disse que era meu. Me diverti muito com aqueles cãezinhos.
Mas minha infância não foi alegrada apenas por cães e gatos. Eu adorava brincar com galinhas e patos do sítio. Tive um leitãozinho de estimação, que depois meu pai mandou matar pra comer. Claro que me recusei a comer o porquinho. Um amigo meu tinha uma vaca, que eu sempre visitava. Aprendi a montar a cavalo com meu pai, com quem também aprendi a admirar esse animais fantásticos. O pai de uma amiga criava porquinhos da índia e galinhas de raças exóticas.
Falando em galinhas, não posso deixar de mencionar os pintinhos que meu pai deu pra mim e pra minha irmã. Já havíamos ganho pintinhos antes, daqueles distribuídos em feirinhas de animais, que morrem dois ou três dias depois. Mas esses eram dois pintos saudáveis, nascidos no sítio, com boa saúde, que não apenas viveram mais de dois dias, como também se tornaram dois valentes frangotes. Detalhe: a gente ainda morava naquele apartamento pequeno e os frangos, com complexo de cães de guarda, bicavam as visitas. Minha mãe não tinha coragem de encarar os galinhos para prendê-los quando as visitas chegavam. Era eu quem enfrentava as feras. Até que a paciência da minha mãe acabou e os bichos voltaram para o sítio.
Devo ter sido uma criança bem difícil de aturar no quesito bichos. Além de ignorar os avisos para não me aproximar de cães e gatos desconhecidos (faço isso até hoje), armei alguns escândalos no meio da rua, tentando convencer minha mãe a me deixar levar um bicho pra casa. Fiz isso uma vez com um sapo que estava à venda numa casa de produtos religiosos. Se minha mãe houvesse concordado, teria salvo a vida de um sapo, que acabou sendo usado na macumba de alguém.
Tudo que consegui convencer minha mãe a levar pra casa foram uma tartaruga e peixinhos vendidos na feira. Os peixes morriam dias depois (só quando adulta descobri que aquários precisam de bombas para oxigenar a água). A tartaruga durou alguns anos, mas um dia a encontrei morta na varanda, deitada em uma poça de sangue. Tadinha.
Já era adolescente quando mudamos para um apartamento grande e minha mãe permitiu que meu tio me desse logo uma gata e um cachorro. Não cabia em mim de tanta felicidade! Infelizmente minha mãe logo despachou o cão para a casa da nossa faxineira, porque fazia xixi pelos cantos e latia muito. A gata ficou e iniciou uma dinastia de felinos que durou anos. Minha mãe não castrava os bichos e os filhotes nasciam, e nasciam, e nasciam. Nosso recorde foram 7 bichanos em casa, 3 adultos e 4 filhotes. Claro que doar os bebês não era fácil. Eu e minha irmã sempre tentávamos convencer minha mãe a ficar com alguns.
Hoje em dia aprendi a respeitar mais os cães e não fico mais levando mordidas por aí. Também aprendi sobre posse responsável e minha gata é castrada pra não sair pelo mundo arrumando gatinhos. Só não perdi o gosto por animais estranhos. Meu sonho é ter uma (cobra) piton albina. Quem sabe um dia?
Feliz Dia das Crianças
Rachel Barbosa
http://rachelbarbosa.com.br
P.S.: A menina da foto não sou eu. Câmera fotográfica era coisa pra poucos nos anos 70, e ninguém lembrou de tirar uma foto minha com algum bicho quando eu era criança :/