Ponto Gê: Mas só chove, chove, chove…
Por Mafalda - 27 de novembro de 2008. Categorias: Ponto Gê.
Creio que todos devem ter visto na mídia que Santa Catarina decretou estado de emergência, devido aos dois meses de chuvas constantes. Acreditem é muito mais água do que qualquer pessoa pode imaginar. Sempre adorei a chuva, mas chuva de verdade daquelas acompanhas de raios e trovões. No entanto, sempre tive medo daquelas chuvas mais calmas, constantes, que tendem a durar dias, neste caso meses. Não é a primeira vez que isso acontece por aqui.
Em nosso estado, é comum as chuvas nesse período. Em 1974 ela causou uma grande enchente. Eu não era nascida, mas todos aqui conhecem essa história. Nesse mesmo período, quando eu tinha 14 anos, as chuvas também duravam muito tempo. Na época eu pude ver com meus próprios olhos uma cena que jamais esqueci.
Não se pode imaginar como tudo acontece tão rápido. Acreditem, em um dia o rio está lá embaixo e no outro, se alguém der uma cuspida, ele transborda. Foi de um dia para o outro assim, que vi centenas de pessoas ao redor de um rio, com velas acesas, rezando incansavelmente e implorando para que o pior não acontecesse. Algumas choravam desesperadamente e gritavam que já tinham perdido sua família uma vez daquela forma e que não suportariam aquilo novamente. Bom, para uma menina de 14 anos foi um pouco assustador voltar para casa aquela dia e pensar que a qualquer momento da noite poderia acordar boiando. Ainda bem que nada aconteceu.
O que vocês estão vendo nos jornais, cidades inteiras debaixo d’água, não é o pior. O pior é passar as noites na total escuridão, é não ter roupas secas para usar, não ter água para beber, não ter comida. É pegar o dinheiro que sobrou no bolso e correr ao mercado mais próximo para comprar um litro de água e quando chegar lá, perceber que o dinheiro não dá, porque agora uma garrafa de água está custando R$ 20,00.
Vocês com certeza nunca tiveram a oportunidade de cheirar barro. É barro, lodo, isso mesmo. Pois bem, aquilo cheira a coisa podre, bicho morto. Agora imaginem uma cidade inteira coberta de lodo e, claro, sem água para limpar. Sem nada pra passar o cheiro.
Ainda mais triste é dividir o mesmo lugar com tantos desconhecidos e quando for tentar dormir, porque é difícil dormir nessas circunstâncias, você vai pensar que tudo estaria muito melhor se ali, ao seu lado, estivesse sua família, alguém que você ame de verdade, para dizer que vai ficar tudo bem. Mas eles não estão mais ali, talvez não sejam encontrados nunca mais.
Não existe mais pobre, nem rico, quando a água chega vai levando tudo sem distinção. Não tem como desligar a televisão e continuar a vida, porque nem os olhos fechados não param de enxergar a tragédia. Nem o tempo faz diferença, porque é algo que nunca vamos esquecer.
Um beijo a todos
Gê
27 de novembro de 2008 às 12:30
Se eu pudesse, soprava as nuvens de chuva pra Amazônia, ou pro Nordeste, ou pra qualquer outro lugar… Enfim… dava uma soprada pra distribuir essa água toda… Parece pedido de criança inocente, mas não é. Se eu pudesse faria mesmo…
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27 de novembro de 2008 às 13:30
Me deu um aperto de ler isso…caramba…
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29 de novembro de 2008 às 22:09
Realmente só quem já passou por isto sabe o q significa….
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30 de novembro de 2008 às 14:34
É exatamente isso, Gê. Moro em Balneário Camboriú e por 50 metros a água não chegou em minha casa. Meu irmão não teve tanta sorte. Tudo que ele tinha ficou embaixo d’água. Mas conseguiram recuperar muita coisa, graças a Deus. Nessa hora, penso que o mais importante é ter uma casa e um emprego. Muitas pessoas tiveram suas casas e seus empregos destruídos por essa catastrofe. Muitos estão em abrigos sem saber pra onde ir. É muito triste e toda ajuda e bem-vinda nessa hora.
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2 de dezembro de 2008 às 9:57
Há alguns anos, numa grande enchente na Argentina um anônimo escreveu isto:
COMEÇAR DE NOVO
Eu tinha medo da escuridão
Até que as noites se fizeram longas e sem luz
Eu não resistia ao frio facilmente
Até passar a noite molhado numa laje
Eu tinha medo dos mortos
Até ter que dormir num cemitério
Eu tinha rejeição por quem era de Buenos Aires
Até que me deram abrigo e alimento
Eu tinha aversão a Judeus
Até darem remédios aos meus filhos
Eu adorava exibir a minha nova jaqueta
Até dar ela a um garoto com hipotermia
Eu escolhia cuidadosamente a minha comida
Até que tive fome
Eu desconfiava da pele escura
Até que um braço forte me tirou da água
Eu achava que tinha visto muita coisa
Até ver meu povo perambulando sem rumo pelas ruas
Eu não gostava do cachorro do meu vizinho
Até naquela noite eu o ouvir ganir até se afogar
Eu não lembrava os idosos
Até participar dos resgates
Eu não sabia cozinhar
Até ter na minha frente uma panela com arroz e crianças com fome
Eu achava que a minha casa era mais importante que as outras
Até ver todas cobertas pelas águas
Eu tinha orgulho do meu nome e sobrenome
Até a gente se tornar todos seres anônimos
Eu não ouvia rádio
Até ser ela que manteve a minha energia
Eu criticava a bagunça dos estudantes
Até que eles, às centenas, me estenderam suas mãos solidárias
Eu tinha segurança absoluta de como seriam meus próximos anos
Agora nem tanto
Eu vivia numa comunidade com uma classe política
Mas agora espero que a correnteza tenha levado embora
Eu não lembrava o nome de todos os estados
Agora guardo cada um no coração
Eu não tinha boa memória
Talvez por isso eu não lembre de todo mundo
Mas terei mesmo assim o que me resta de vida para agradecer a todos
Eu não te conhecia
Agora você é meu irmão
Tínhamos um rio
Agora somos parte dele
É de manhã, já saiu o sol e não faz tanto frio
Graças a Deus
Vamos começar de novo.
Anônimo
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