O Pai dos celulares
Autor: Mafalda ~ 31 de agosto de 2011. Categorias: Sofá da Mona.
Não, este não é um texto sobre Martin Cooper, ao qual é atribuída a invenção do celular. Mês de agosto nos momentos finais e todo mundo sabe que:
a) Agosto é o mês do cachorro louco (já ouviram essa?);
b) em Agosto se comemora o Dia dos Pais e
c) as operadoras de celular nos bombardeiam com propagandas abarrotadas de clichês para venderem mais.
E será assim até o fim dos tempos. Whatever, quem liga? Mas esse ano, durante o habitual dilúvio de propagandas sobre planos e vantagens de uma ou outra operadora, percebi que algo me incomodava.
Sou apenas uma espectadora de comerciais. Não sou publicitária, nem especialista no assunto, mas acredito que o objetivo de uma propaganda de celular seja atingir o maior número possível de consumidores. E hoje em dia todo mundo tem celular, quase como um novo órgão no corpo humano. Então, suponho que um pouco do que vemos em algumas propagandas sejam também um reflexo da sociedade, embora não necessariamente.
Nas propagandas de celular este ano, certa operadora me chamou a atenção de modo negativo. O pai sempre aparece sozinho. Não fica claro se existe uma esposa ou mãe de seus filhos. O pai é sempre representado como uma cara distante (e meio abobalhado) que se surpreende com alguma manifestação de afeto dos filhos. Estes, por sua vez, parecem artificiais (propositadamente?) em seus gestos de carinho. Fica subentendido que a “paixão súbita” pelo pai é apenas empolgação pelo grande negócio que fizeram ao comprar um celular para o pai e se beneficiarem (eles, os filhos) com algum super plano de vantagens. Uma troca comercial.
Há um exército de filhos por aí para quem o pai é um cara distante, com quem devem se “relacionar” e que paga (quando paga) suas despesas. Talvez daí a causa de meu desconforto. Acho triste uma relação pai e filho resumir-se a isso. Impossível não comparar com as propagandas veiculadas para o Dia das Mães. Nestas, a mãe é lembrada e representada por sua dedicação e presença na vida do filho, aquela que segura a barra no cotidiano, aquela que é próxima. O celular ou o produto vendido seria um presente de reconhecimento a essa figura fundamental. Na dos pais, o presente (já que tem que se dar alguma coisa) é oportunidade de ganho também para os filhos e é o que seduz estes infelizes jovens consumidores. “Já que tenho que dar alguma coisa pra esse cara que mal conheço e que mal me conhece, pelo menos ganho alguma coisa”.
Dizem que a mãe “é” e que o pai “se torna”. Para se tornar pai, só pagar despesas não basta (afinal, isso é uma obrigação assegurada por lei). Ser pai é aproximar-se do filho, interessar-se, ouvi-lo abertamente, ajudá-lo a ver o mundo, deixar um legado moral, ético e sentir as dores de seu filho. É respeitar a mãe desse filho mesmo que ela não seja mais sua esposa. É quando o filho se torna adulto e se lembra de suas frases (de motivação, de apoio, de consolo) no embate da vida. A paternidade tem muito mais a ver com atitude do que com bens e propriedades.
O que me incomodou de fato é perceber que esses pais existem em tal número que já são uma espécie de personagem no mundo da publicidade. Na vida real, lamento por cada filho obrigado a lidar com esse roteiro.